domingo, 18 de abril de 2010

A tragédia de Amala e Kamala



Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos.


Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.


Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre. Comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia envergonhadas e abatidas numa sombra. Eram ativa e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam.


Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de morrer, tinha um vocabulário de apenas cinqüenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela bem como às outra com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples”.


LEYMOND, B. Le development social de l’enfant et del’adolescent. Bruxelles: Dessart, 1965. p 12-14.


Apud: http://educalara.vilabol.uol.com.br/meninaslobo.htm

sábado, 10 de abril de 2010

"Temos isso?"

Durante os dez anos em que dirigiu o Correio Braziliense, seguindo o modelo de jornalismo pouco dado ao factual, Noblat viveu essa contradição.

Ele exigia criatividade da equipe nas reuniões de pauta, mas cobrava notícias do dia no horário de fechamento. Viraram folclóricas suas visitas à redação às 8h da noite, quando não dá mais tempo para acrescentar nada. Os editores viviam em estado de alerta, tensos e inseguros sobre a edição. O que mais temiam era ouvir Noblat gritar:

— Temos isso?

Isso era um acontecimento do dia que ele lera nas edições dos jornais na internet ou ouvira no jornal Nacional. Se não tivesse, o editor que tratasse de conseguir. E mais. E melhor, com recursos gráficos, artigos, interpretações e análises. Às 8h da noite!

A arte de escrever bem
Copyright© 2004 Dad Squarisi e Aríete Salvador

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sexta-feira, 2 de abril de 2010

Detalhes proibidos


Confira alguns dos trechos que teriam dado origem à censura da biografia do "Rei" e tire suas conclusões:


Roberto Carlos é um típico fruto da miscigenação que marcou a colonização portuguesa nos trópicos. Flor amorosa de três raças tristes.

Seu avô materno, Joaquim Moreira, era português, e sua avó, Anna Moreira, era filha de índio e negro.

(...)

Na infância, Roberto Carlos e seus irmãos se acostumaram a dormir acalentados pela máquina de costura de sua mãe, que trabalhava até alta madrugada.

O caçula Roberto Carlos Braga nasceu num Dia do índio, 19 de abril de 1941, às 5 horas da manhã, pesando 2,250 kg e medindo 42 cm.

(...)

Roberto Carlos cresceu gordinho e bochechudo e logo ganhou o apelido de Zunga, na época um apelido relativamente comum no Espírito Santo.

Havia vários outros Zunguinhas por lá. Mas todos os seus irmãos também tinham apelidos: Lauro Roberto era chamado de Naim; Carlos Alberto era Gadia; e Norma era carinhosamente chamada de Mada ou de Futeza.

"Vivíamos quase sempre sem dinheiro", afirma Roberto Carlos. "Mas o que nos faltava em dinheiro minha mãe compensava em carinho e compreensão.

Lembro-me até hoje que, enquanto meu pai saía para trabalhar, ela ficava comigo horas inteiras, procurando entender meus problemas." Dona Laura, de fato, sempre reservou muito tempo e carinho para seu filho caçula.

"Todas as mães sabem que o filho caçula é o que custa mais a crescer", diz ela. E no caso de Roberto Carlos isto ficou ainda mais evidente porque ele só largou a chupeta aos oito anos de idade.

(...)

Aos quatro anos de idade, já divertia a família cantando músicas do cantor Bob Nelson - o primeiro ídolo do menino Roberto Carlos. "Eu usava os cabelos do jeito que Bob Nelson usava e procurava também imitar suas roupas de caubói", recorda. Para dona Laura era realmente um custo convencer o filho a não levar seus revólveres de espoletas no momento de sair com ele para a missa de domingo, na Catedral de São Pedro.

Roberto Carlos insistia em ir para a igreja vestido de Bob Nelson.

(...)


Nas reuniões em família era comum Zunga estufar o peito e cantar: "Na minha fazenda tem um boi/ esse boi se chama Barnabé/ sabe, moço, ele anda se babando/ pela minha linda vaca Salomé...". E não devia fazer feio porque, sempre que chegava uma visita em casa, dona Laura apresentava o filho caçula e pedia para ele cantar O boi Barnabé. "Envergonhado, eu cantava escondido atrás da porta", recorda Roberto Carlos.

(...)

No período da infância e adolescência de Roberto Carlos, Cachoeiro de Itapemirim se destacava por dois aspectos: a beleza de suas mulheres e a postura política de seus habitantes.

(...)

Havia ali realmente uma grande concentração de mulheres bonitas em relação à área geográfica e à densidade populacional.

Mulheres bonitas e liberadas, dizem alguns. "No auge do tabu da virgindade muitas garotinhas de Cachoeiro transavam tranquilamente. Era uma loucura. Amigos meus iam para Cachoeiro por causa de sua liberação sexual", garantia o cachoeirense Carlos Imperial.

(...)

A sensibilidade, o espírito solidário, o carinho pelas plantas e os animais, a intensa religiosidade - características que marcarão a personalidade do futuro ídolo Roberto Carlos -, já estavam presentes no menino Zunga, especialmente após um grave acidente que o vitimou aos seis anos de idade. "Nos dias que permaneci no hospital criei minha estrutura, inventei orações que repito até hoje", afirma Roberto Carlos.

O fato aconteceu numa manhã de domingo, 29 de junho de 1947, dia de São Pedro. A brisa deslizava do alto das serras.


Como tantas outras crianças da cidade, naquele dia Roberto Carlos saiu cedo e animado de casa para assistir aos festejos.

Era tanta badalação que muitos pais preparavam roupa nova para os filhos estrearem justamente nesse dia. Por isso Zunga estava ainda mais contente, porque iria desfilar com os sapatinhos novos que ganhara na véspera.

(...)

Por volta de nove e meia da manhã, Zunga e Fifinha pararam numa beirada entre a rua e a linha férrea para ver o desfile de um grupo escolar. Enquanto isso, atrás deles, uma velha locomotiva a vapor, conduzida pelo maquinista Walter Sabino, começou a fazer uma manobra relativamente lenta para pegar o outro trilho e seguir viagem. Uma das professoras que acompanhava os alunos no desfile temeu pela segurança daquelas duas crianças próximas do trem em movimento e gritou para elas saírem dali. Mas, ao mesmo tempo em que gritou, a professora avançou e puxou pelo braço a menina, que caiu sobre a calçada. Roberto Carlos se assustou com aquele gesto brusco de alguém que ele não conhecia, recuou, tropeçou e caiu na linha férrea segundos antes de a locomotiva passar. A professora ainda gritou desesperadamente para o maquinista parar o trem, mas não houve tempo. A locomotiva avançou por cima do garoto que ficou preso embaixo do vagão, tendo sua perninha direita imprensada sob as pesadas rodas de metal. E assim, na tentativa de evitar a tragédia com duas crianças, aquela professora acabou provocando o acidente com uma delas.

Diante da gritaria e do corre-corre, o maquinista Walter Sabino freou o trem, evitando consequências ainda mais graves para o menino, que, apesar da pouca idade, teve sangue-frio bastante para segurar uma alça do limpa-trilhos que lhe salvou a vida. Uma pequena multidão logo se aglomerou em volta do local e, enquanto uns foram buscar um macaco para levantar a locomotiva, outros entravam debaixo do vagão para suspender o tirante do freio que se apoiava sobre o peito da criança. Com muita dificuldade, ela foi retirada de debaixo da pesada máquina carregada de minério de ferro. "Eu estava ali deitado, me esvaindo em sangue", recordaria Roberto Carlos anos depois numa entrevista. Mas naquele momento alguém atravessou apressado a multidão barulhenta e tomou as providências necessárias. "Será uma loucura esperarmos a ambulância", gritou Renato Spíndola e Castro, um rapaz moreno e forte, que trabalhava no Banco de Crédito Real.

Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia. "Até hoje me lembro do sangue empapando aquele paletó. E só então percebi a extensão do meu desastre", afirma Roberto, que desmaiou instantes após ser socorrido. Esse momento trágico de sua vida ele iria registrar anos depois no verso de sua canção O divã, quando diz: "Relembro bem a festa, o apito/ e na multidão um grito/ o sangue no linho branco...", numa referência à cor do paletó que Renato Spíndola usava no momento em que o socorreu.

(...)

Ao chegar ao hospital, Zunga foi imediatamente atendido pelo médico Romildo Coelho, de 36 anos, que estava de plantão naquele domingo. Segundo ele, ao ver o menino constatou que a parte de baixo da perna acidentada estava pendurada apenas pela pele, mas o garoto não chorava muito, porque não estaria sentindo dor. "Quando o trem esmagou a perna, arrancou todos os nervos e tirou a sensibilidade", explicou o médico. Ele recorda que o menino parecia ainda não ter a noção exata da gravidade do acidente. "Em certo momento, ele apontou para o sapato que estava na perna acidentada e me disse: 'Doutor, cuidado para não sujar muito o meu sapato porque ele é novo'." Foi uma reação típica de uma criança, e de uma criança que não estava acostumada a ganhar sapatos novos com muita frequência.


Paulo César de Araújo
In: Roberto Carlos em detalhes (Planeta, 2007)

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